Alessi

Os desafios da vida rural estão a forçar muitas raparigas a abandonar a escola, reduzindo muito as suas chances para uma vida melhor. Alessi é uma rapariga da zona de Angónia, Tete, que não desiste do seu sonho de um dia ir para a universidade.

Texto Jadi Miranda

Janeiro 31, 2017

Nikon D800 | Lente 14-24mm f2.8 | Lente 24-85mm f2.8 | Lente 85mm f1.8

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Nota: Texto baseado no filme “3 meninas, um futuro” para a Save The Children. Realizado por Ernânio Mandlate, escrito por Raquel Ataíde. 

O toque do sino retumba nas paredes. Alessi é acordada pelo seu som familiar. São 5 da manhã em Angónia no centro de Moçambique. Ela diz bom dia a Sinati, a acordar na cama de cima. A escola começa às 7:30, por isso, a seguir, Alessi e as outras raparigas vão fazer limpeza do dormitório e preparar-se para a escola. Daí, é papa de milho na cantina e depois vão para a escola vestidas no fardamento verde floresta. 

A manhã da Alessi soa à manhã de uma típica adolescente colegial. Na verdade, a vida da Alessi é um pouco diferente das vidas que mais de metade de todas as Moçambicanas da sua idade vivem. Apenas porque ela vai à escola.

A adolescente Moçambicana mais comum já teria parado de estudar, ora forçada por falta de meios na família, ora pela incredulidade dos seus pais na necessidade da sua educação. Passaria, muito provavelmente, as suas manhãs na machamba e as suas tardes nos trabalhos domésticos. De facto, a maioria das mulheres moçambicanas passa em média 14 horas por dia a realizar tarefas agrícolas e domésticas.

A vida é dura para uma menina que vive nas zonas rurais em Moçambique. A educação primária é gratuita, mas os estudantes têm que pagar pelo vestuário e pelo material escolar e, quando o dinheiro para a comida é escasso, os custos escolares naturalmente passam para segundo plano. Para além disso, as zonas mais recônditas não têm escolas secundárias, o que força as crianças a fazerem trajetos longos pelas estradas nacionais para irem à escola. Tornando a situação ainda mais complicada, o benefício da escola não é sempre óbvio para os pais. Moçambique ainda tem alguns problemas com infraestruturas escolares e com a qualidade da educação. Afectadas por estas condições, as raparigas aparentam ser mais prejudicadas, sendo que as escolas apresentam uma frequência masculina superior à feminina e o contrário acontece com as repetições e desistências, onde a taxas da rapariga é mais alta. O resultado é que menos de 50% das raparigas acaba a escola primária. 

O caso da Alessi foi um desses onde os custos associados à sua educação eram demasiado altos para a sua família custear. Havia as propinas e havia também a necessidade de vestuário apropriado e de material escolar. Por fim, se ela quisesse estudar teria que se mudar para Angónia, a aldeia mais próxima com escola secundária, e pagar pela acomodação no internato. “Eu queria continuar a escola, mas quando terminei na 7ª classe, não tinha esperança de estudar. O meu pai não estava a nos ajudar. A minha mãe estava a cultivar na machamba, estava a produzir feijão e vendia, mas a vida estava difícil. Minha mãe não tinha dinheiro para matricular a 8ª classe.” Por isso, a Alessi não se matriculou no secundário. Ficou em casa a ajudar a sua mãe e irmã mais nova, mas nunca desistiu do seu desejo de acabar a escola.

“A minha mãe tem bom coração” – A Alessi não esconde a admiração que sente pela mãe. Quando Alessi volta para casa, todas os meses, ela ajuda a mãe com a machamba e com a casa, mas o que gosta mais de fazer quando está de volta é cozinhar.

 

No ano seguinte a vida da Alessi deu uma volta. O director da sua antiga escola conhecia a sua história. Um dia ele apareceu com uma possível solução: uma bolsa de estudos da Save the Children. Alessi foi uma de três raparigas apuradas para a bolsa de estudos que inclui apoio para propinas, transporte e acomodação em Angónia. Alessi voltou a estudar no ano seguinte. Hoje está no décimo ano.

A bolsa de estudos da Alessi faz parte de um programa alargado para melhorar a retenção das raparigas nas escolas, especialmente durante os anos de transição, chamado Promover o Avanço das Raparigas de Moçambique (PAGE-M). O Page-M trabalha com escolas públicas nas zonas rurais de Moçambique para abordar os obstáculos que dificultam as vidas das raparigas que querem estudar.

No entanto, as questões financeiras não são as únicas barreiras que impedem os pais de matricular as filhas na escola. As atitudes culturais também dictam que as meninas devem ficar em casa a cuidar da família e da machamba, preparando-se para a vida conjugal. Muitas raparigas são casadas cedo para que as suas famílias possam receber os dotes. Estas noivas prematuras estão muito mais suscetíveis a deixar a escola cedo, o que afecta a sua capacidade de receber um salário razoável e de criarem filhos saudáveis e com educação escolar. 

O PAGE-M tem uma abordagem holística para ultrapassar estas barreiras. Do lado da procura estão a trabalhar com os grupos de mulheres e com clubes de raparigas na comunidade e a financiar programas de radio para a promoção dos direitos da rapariga. Do lado financeiro, o projeto está a apoiar os estudantes com bolsas de estudo, como a que a Alessi recebe, e com kits de higiene. 

Em conversa com a Alessi torna-se claro que ela não quer que nada nem ninguém se atravesse no seu caminho: ela não tem namorado nem tenciona ter. A vida dela é estudar. Permite-se algumas distracções como desporto e música, mas, por agora, o seu propósito é de acabar a escola e chegar à universidade. Um dia ela será uma professora na sua aldeia. “Porquê?” perguntei. “Para ensinar os outros também”, respondeu. “Mas porquê?” insisti. Ao que ela respondeu com uma calma desarmadora: “É o meu sonho.”

Não é difícil perceber porque é que a Alessi é uma inspiração para a sua irmã e outras meninas da sua povoação. Ela é a prova viva de que quando uma rapariga acredita e vai atrás dos seus sonhos, ela alcança-os. 

Para facilitar o acesso à escola, o PAGE-M apoiou uma iniciativa piloto que concedeu bicicletas a raparigas que vivem longe da escola. Helena (segunda da esquerda) vivia a 9km da escola em Cabango, na província de Tete. “Quando saía para escola a pé estava sempre atrasada. Agora, com a minha bicicleta, saio às 11 e chego à escola às 12.” 

Mais sobre o PAGE-M 

Uma em duas raparigas Moçambicanas casa-se antes dos 18 anos. Uma em seis raparigas Moçambicanas casa-se antes dos 15 anos. Contudo, os estudos mostram que quanto mais tarde a rapariga se casar, mais tarde ela abandonará a escola e assim melhores serão as suas possibilidades de gerar rendimento e sustentar a família.

É com base nestas premissas que o Page-M apoia grupos comunitários que promovem e convencem as famílias das vantagens das raparigas terminarem os estudos. Estes grupos desmitificam algumas crenças e motivam as meninas a conhecerem os seus direitos. “Se uma rapariga tem aquela vontade de ir à escola, a vontade é cortada pelos próprios pais porque eles pensam que o lugar da rapariga é em casa, no lar. – Carmen Bilale, Coordenadora de Género Districtal para o Page-M, exemplifica um dos valores culturais que é endereçado pelos grupos comunitários apoiados pelo Page-M.

Para além de grupos de mulheres, o Page-M apoia também clubes de raparigas.  Com cerca de 25 raparigas, os clubes são espaços onde as meninas se sentem seguras e livres para partilhar os seus problemas e encontrar apoio mútuo. Na foto em baixo, a estudante e presidente do clube de raparigas da sua escola, Olinda Munguambe, dirige o seu grupo pelas ruas de um bairro para dar a conhecer a mais raparigas os seus direitos e atraí-las ao clube. “Se um pai força a rapariga a fazer algo que ela não quer, ela pode aproximar-se do nosso clube. Nós aconselhamo-la e depois vamos falar com os pais. Na maioria dos casos temos tido sorte, os pais entendem-nos.” – Explica Olinda sobre os casamentos forçados.